segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Saneamento básico: Serra acusa governo federal mas tem telhado de vidro

Publicado pelo jornalista Luiz Carlos Azenha do Viomundo – O que você não vê na mídia:
13 de setembro de 2010 às 21:20
por Conceição Lemes

Sabesp: saúde, qualidade de vidatotal responsabilidade e respeito aos consumidores, às comunidades e ao meio ambiente, sustentabilidade, conforto, bem-estar, compromisso com as futuras gerações, com a flora e fauna, compromisso a vida e com o meio ambiente, a vida tratada com respeito.

É com slogans como esses que a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo se apresenta ao Brasil inteiro. Ela é responsável pelo fornecimento de água, coleta e tratamento de esgotos de 366 municípios do estado, entre os quais os 39 da região metropolitana, que inclui a capital.

Mas, em época de estiagem, quem passa pelas marginais do Tietê, Pinheiros ou Tamanduateí, jamais esquece. Esses três rios que cortam a cidade que sedia a Sabesp têm cheiro de esgoto, assim como a maioria dos córregos de São Paulo.

Frequentemente o bode expiatório é a população pobre, que mora em favelas. A senha: ligações clandestinas de esgoto. Há até disque-denúncia.

Com 15.177 mil funcionários, a Sabesp tem faturamento anual de quase R$ 7 bilhões. Seu controle acionário é estatal. A maior parte das ações pertence ao governo paulista.

Sua missão: Prestar serviços de saneamento, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida e do meio ambiente.

“A Sabesp entende sua responsabilidade como empresa cidadã, que trata e beneficia o mais importante recurso natural que existe [a água]”, diz em seu site. “Por isso, estabelece diretrizes para a gestão ambiental e desenvolve soluções que contribuem para o desenvolvimento sustentável.”

NAS CASAS, EMPRESA EXIGE LIGAÇÃO SÓ PARA ESGOTO

A Sabesp exige ligação exclusiva para o esgoto doméstico; ele não pode ser misturado à água pluvial.

Por isso, geralmente saem das residências duas tubulações. Uma, leva a água da chuva (do telhado, quintal, jardim) até o meio-fio, ou sarjeta. Pelas bocas de lobo, essa água segue para as galerias de águas pluviais. Daí, para rios e córregos.

A outra tubulação (chama-se ramal) transporta água de pia, tanque, vaso sanitário, chuveiro, máquina de lavar roupa. Subterrânea, ela sai da calçada e vai até a rede coletora de esgoto, que pode estar no próprio passeio, no meio da rua ou na calçada do outro lado da rua.

Em princípio, essa rede coletora de esgoto deve se ligar a tubulações progressivamente maiores (coletores-tronco e interceptores), que se conectam à estação de tratamento de esgoto (ETE).

O destino final dessa água com fezes, urina, sabão e outros detritos deve ser uma ETE, para receber tratamento físico e químico.  Só depois ela pode ser jogada em rio, córrego ou empregada para reuso planejado. Por exemplo, lavar a rua em dias de feira e refrigerar equipamentos, situações que não exigem água potável, apenas que seja limpa.

Esse é o procedimento adequado tanto do ponto de vista sanitário quanto ambiental.

O TESTE EM QUATRO REGIÕES DA CAPITAL PAULISTA

O Viomundo resolveu investigar se a Sabesp faz o que exige da população.

Durante dois dias, ambos ensolarados e sem chuva há um bom tempo, participamos de um teste. Despejou-se corante (vendido em bisnagas em lojas de material de construção) na caixa doméstica de esgoto (fica na calçada, bem próxima à porta do imóvel, cada um tem a sua) ou no vaso sanitário de residências em quatro regiões da capital paulista, com algum córrego próximo.  Todas possuem esgoto e pagam pelo serviço à Sabesp. Tomou-se o cuidado de confirmar previamente essas informações.

Objetivo do teste: verificar se a tintura expelida em meio à descarga doméstica chegaria a pontos de lançamento (canos) em córrego na vizinhança. Fotografamos antes e depois.  Veja o que aconteceu em cada região.

REGIÃO 1

Engloba as ruas Combatentes do Gueto, Engenheiro Janot Pacheco, José Ferreira Guimarães e Pedro Gomes Cardim, as praças Vinícius de Moraes, Santos Coimbra e avenida Vicente Paiva. Também as ruas Marcelo Mistrorigo, José Pepe, Rafael Ielo e Cordisburgo.

O córrego passa canalizado sob um condomínio, depois corre a céu aberto num pequeno trecho. Fica paralelo a uma viela, na altura da rua Salim Izar com  Guihei Vatanabe.

REGIÃO2

Inclui, entre outras, as ruas Tomazzo Ferrara, Salim Jorge Eid, Gregório Ramalho, Maria Andressa de Abreu, Boto Cor de Rosa, Américo Salvador Novelli, Campinas do Piauí e Barros Cassal.

O córrego corta a Tomazzo Ferrara, que fica acerca de 50 metros da Boto Cor de Rosa.

REGIÃO 3

Abrange ruas, como Mario Lago, Antonieta Altenfelder, País Natal, Paulo Lincoln do Valle Pontin, Antonio César Neto, e avenida Luis Stamatis.

O córrego cruza a Mario Lago e passa atrás de uma escola da Prefeitura.

REGIÃO 4

Dela fazem parte as avenidas Doutor Lino de Moraes Leme, Jornalista Roberto Marinho e Pedro Bueno, a praça Durval Pereira, as ruas Cláudio Mendonça, Simões Pinto, Dr. Mário Mourão e  Nicolau Zarvos.

O córrego cruza a Lino de Moraes Leme (na esquina tem um posto de gasolina) e desemboca no piscinão da Roberto Marinho. Ele tem dois pontos de lançamento muito próximos, ficam a uns 10 metros um do outro.

PALÁCIO DOS BANDEIRANTES NÃO TEM ESGOTO TRATADO

Nas quatro regiões pesquisadas pelo Viomundo, o corante chegou ao córrego próximo alguns minutos depois.

“Isso demonstra que o esgoto das quatro áreas é coletado mas não tratado”, alerta engenheiro Júlio Cerqueira César Neto, que durante 30 anos foi professor de Hidráulica e Saneamento da Escola Politécnica/USP. “Se fosse tratado, o corante não iria parar no córrego.”

“Nem o ninho-mor dos tucanos escapa”, avisa um funcionário da Sabesp, que, por motivos óbvios, pediu para não ser identificado. “Durante os 12 anos em que foi ocupado por Geraldo Alckmin e os quase quatro por José Serra, o esgoto do Palácio dos Bandeirantes nunca foi tratado. Até hoje a Sabesp joga os dejetos do Palácio num córrego perto.”

O córrego em questão é o da região 1, no coração do Morumbi. Árvores e plantas bonitas em boa parte da margem direita tentam escondê-lo, principalmente  no trecho em que há belas casas do outro lado da rua. Mas o mau cheiro chama a atenção, revelando o que está atrás.

De carro, fica a uns 5 minutos da sede do governo paulista. A área “pega” do Palácio dos Bandeirantes para baixo, incluindo a imensa área verde, em frente — a praça Vinícius de Moraes – e um trecho da avenida Giovanni Gronchi.

O córrego da região 2 está em Itaquera, Zona Leste. Recebe esgoto inclusive da Subprefeitura do bairro, à rua Gregório Ramalho.

O córrego da região 3 situa-se a uns 70 ou 80 metros do prédio da Subprefeitura do Jaçanã, Zona Norte. Passa atrás do CEU Jaçanã, inaugurado há três anos, na gestão do prefeito Gilberto Kassab (DEM-SP).

O córrego da região 4 fica no Jabaquara. Em ambas as margens existe muito lixo.

Na esquerda, há uma favela, destruída parcialmente por incêndio no final de julho. O esgoto in natura corre em valas abertas no chão de terra batida defronte a alguns barracos.

Na direita, apesar do lixo ao longo da margem, a rua que saí, a João de Levy, é asfaltada (há tampões de ferro no chão escrito Sabesp) e as casas são de alvenaria. À medida que se distanciam da borda, são maiores e mais bonitas. O corante foi jogado nesta área.

Consequentemente, tanto o esgoto da margem direita (por ação da Sabesp) quanto o da margem esquerda (por conta das valas feitas por moradores) caem no mesmo córrego.

“E por que fezes não aparecem nas fotos?”, alguém talvez questione, já que retratam lançamentos de esgoto.

Lembram-se de que pela tubulação de esgoto vai água de pia, tanque, vaso sanitário, chuveiro, máquina de lavar roupa? Pois no percurso desse e de outros canos as fezes se dissolvem. Por isso deixam de ser visíveis.

Importante: o destino final do córrego das regiões 1 e 4 é rio Pinheiros; o das regiões 2 e 3, o Tietê.

EMPRESA NÃO INFORMA SE O ESGOTO DESSAS ÁREAS É OU NÃO TRATADO

O Viomundo quis saber então da Sabesp:

* Hoje o esgoto é tratado nestas áreas (listamos os vários endereços pesquisados): SIM ou NÃO?

* Qual o destino do esgoto dessas áreas, uma a uma?

* O que a empresa faz com o esgoto dessas áreas, uma a uma?

“A Sabesp tem uma divisão geográfica por bacias hidrográficas, e não por bairros”, afirma por e-mail, via assessoria de imprensa. E discorre sobre as obras do projeto Tietê, iniciado em 1992 e visa à despoluição do rio. Sobre a fase atual, a terceira, diz:

A 3ª. Etapa – 2009 a 2015 – São Paulo também será beneficiada com o pacote de obras da terceira fase do projeto, iniciado em 2009. As ações se concentram nos bairros localizados nas extremidades da cidade. Socorro, Santo Amaro, Jardim São Luís, Jabaquara, Capão Redondo, Campo Limpo, Rio Pequeno, Jaguaré, Brasilândia, Cachoeirinha, Casa Verde, Freguesia do Ó, Santana, Tucuruvi, Itaim Paulista, Sacomã, Sapopemba, São Lucas e São Mateus são algumas das áreas favorecidas.

A terceira etapa do Projeto Tietê irá até 2015 e prevê investimento de US$ 1,05 bi em toda a Grande São Paulo. No total, três milhões de pessoas serão beneficiadas com o tratamento dos efluentes. A meta, pelo Projeto Tietê é elevar a coleta da RMSP para 87% e o tratamento para 84%, até 2015, nas regiões atendidas pela Sabesp.

A Sabesp, porém, dispõe de mapas detalhados e continuamente atualizados de galerias, tubulações, córregos, pontos de lançamentos, pontos de vistoria, mostrando a situação, rua por rua. Esta repórter teve acesso a eles.  Abaixo uma prova.

Aliás, como operaria, fiscalizaria e estabeleceria metas de coleta e tratamento de esgoto, sem ter a cidade mapeada tão minuciosamente?

“O QUE O VIOMUNDO COMPROVOU ACONTECE NA CIDADE INTEIRA”

A coleta de esgoto da Região Metropolitana, segundo a Sabesp, saltou de 66%, em 1992, para 85%, hoje. E o tratamento foi de 24% para 72%, Na capital, em 1992, “77% do esgoto era coletado e menos de 30%, tratado. Atualmente, mesmo com o incremento de mais 1,5 milhão de habitantes, a coleta está universalizada (excluindo favelas e áreas irregulares) e 75% do esgoto coletado é tratado.”

“Não é verdade”, contesta Ricardo Moretti, professor de Planejamento Urbano da Universidade Federal do ABC. “Os dados divulgados pela Sabesp sobre tratamento de esgoto são inconsistentes. A cada hora ela divulga um com critério diferente.”

O Relatório de Águas Superficiais 2009, da Cetesb, divulgado em julho deste ano, dá-lhe razão. Informa que apenas 44% do esgoto da bacia hidrográfica do AltoTietê é tratado. A bacia engloba 36 municípios e praticamente corresponde à Região Metropolitana de São Paulo. A Cetesb é a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo.

“O que o Viomundo comprovou acontece na cidade inteira de São Paulo”, denuncia o professor Júlio Cerqueira César Neto. “Na Região Metropolitana, a Sabesp lança in natura, em córregos e rios, a maior parte do esgoto produzido pelas casas que têm esgoto.”

Na prática, a Sabesp faz o que condena na população. Pior é que quem paga a conta não sabe de nada.

A Região Metropolitana, relembramos, é formada por 39 municípios, inclusive a capital. Atualmente, ela tem oito estações de tratamento de água (ETA), que produzem o seguinte volume:

* Alto Cotia – 1.000 litros por segundo

* Baixo Cotia – 900 litros por segundo

* Taiaçupeba – 10 mil litros por segundo

* Cantareira – 33 mil litros por segundo

* Guarapiranga – 14 mil litros por segundo

* Ribeirão da Estiva – 100 litros segundo

* Rio Claro – 4 mil litros por segundo

* Rio Grande – 4,8 mil litros por segundo

Juntas produzem 67 mil litros de água por segundo. Porém, apenas aproximadamente 70% — em torno de 47 mil litros por segundo — chegam às casas, devido a perdas por vazamentos nas redes e/ou ramais.

Aqui, tem de se acrescentar 10 mil litros de água por segundo provenientes de poços. Eles não entram nos cálculos da Sabesp, só que viram esgoto, portanto têm de ser somados. Assim, 47 mil litros mais 10 mil = 57 mil litros por segundo.

Desses 57 mil litros por segundo, 80% — 45,6 mil litros por segundo — iriam para o esgoto. Mas isso se todas as casas abastecidas por água tivessem coleta de esgoto.  Como isso não acontece, em torno de 42 mil litros por segundo vão para o esgoto.

Já as estações de tratamento de esgoto (ETE) são cinco atualmente: Barueri, ABC, Suzano, São Miguel Paulista e Parque Novo Mundo, com capacidade de tratar 18 mil litros por segundo.

“São as mesmas cinco de dez anos atrás”, atenta Cerqueira César. “Porém, a Sabesp só trata14 mil litros por segundo.”

Motivos: falta de coletores-tronco e interceptores em determinados locais e  tubulações desniveladas em outros, impedindo a transferência do esgoto para as estações de tratamento. Neste caso, são obras terceirizadas pela companhia que deveriam garantir a qualidade do serviço, mas não o fazem.

Agora, é só fazer as contas: 42 mil litros (volume que vai o esgoto) menos 14 mil litros (esgoto tratado)= 28 mil litros por segundo de esgoto in natura, jogados nos rios e córregos. Equivalem a 66% do esgoto gerado.

Já pensou tudo isso lançado continuamente no Tietê que, nesta época do ano, tem um curso natural de água de 15 mil litros? São 28 mil litros de esgoto a cada segundo durante as 24 horas dos 365 dias do ano, todos os anos.

Não à toa, na capital, o rio Tietê é praticamente esgoto puro. Já na imensa maioria dos córregos só corre esgoto nos meses de estiagem. As nascentes foram quase todas eliminadas. A população, porém, não é devidamente informada sobre essa situação.

“POLUI RIOS E ‘VENDE’ SAÚDE, PREOCUPAÇÃO COM O MEIO AMBIENTE”

Experimente perguntar a alguém que mora em São Paulo: Quem você acha que joga esgoto direto no rio Tietê e córregos da cidade? Quem você acha que faz ligação clandestina de esgoto?

Se a pessoa tem bom padrão de vida, quase certamente dará a mesma resposta às duas questões: é quem mora em favelas, os pobres…

Pergunte ainda: E o seu esgoto, você acha que vai para onde?  Provavelmente dirá: o meu vai para uma estação de tratamento.

“São imagens falsas, distorcidas”, desmistifica Moretti. “Não é só o esgoto de pessoas de baixa renda que vai direto para o Tietê e córregos. A maior parte do esgoto da população de melhor poder aquisitivo também está indo in naturapara os rios.”

“Assim como Serra e Kassab se equivocaram ao culpar o povo pelas enchentes”, observa Cerqueira César, “a Sabesp zomba da nossa inteligência ao relacionar as ligações clandestinas à poluição dos rios, desinformando a sociedade.”

Primeiro, porque ligação clandestina no imaginário popular é “coisa de pobre”, favela.

Segundo, já que a tarifa de esgoto vem na conta de água, a pessoa acha que ligação clandestina é a do outro.

Terceiro, o que a Sabesp realiza em toda casa com esgoto é a coleta, que os técnicos chamam de afastamento. É tirar o esgoto da tua porta e despejar na dos vizinhos — subterraneamente, claro. Isso também contribui para a pessoa não ter noção do que acontece depois e achar que o esgoto dela está sendo tratado.

“Mas não está”, avisa o funcionário da Sabesp, que nos pediu anonimato.  “O que a companhia faz principalmente é afastar o esgoto da sua porta e ir jogando adiante até chegar ao rio ou córrego mais próximo.”

“E as ligações clandestinas?”

Realmente, por desinformação ou astúcia, há quem ligue o esgoto na rede pluvial.

“Mas é minoria”, afirma o professor Moretti. “Historicamente boa parte das conexões para jogar esgoto nas galerias de águas pluviais, nos rios e córregos é obra da própria Companhia de Saneamento do Estado de São Paulo.”

“A Sabesp é a grande poluidora dos rios e córregos e não a população”, adverte o professor Cerqueira César. “Depois, zelosa, ‘vende’ nos comerciais que está preocupada com saúde, bem-estar, qualidade de vida e meio ambiente. Piada total.”

“A Sabesp vende uma imagem de eficiência ambiental que não condiz com a realidade, é um desserviço”, acrescenta Moretti. “Só mesmo alguém anestesiado pelos meios de comunicação pode acreditar nessa propaganda enganosa.”

FALTA DE TRANSPARÊNCIA NA CONTA: COLETA E/OU TRATAMENTO?

A Sabesp cobra os serviços de esgoto na conta de água. Na Região Metropolitana, o valor é o mesmo que o da água consumida.

“A Sabesp cobra pelo tratamento e distribuição de água e pela coleta de esgotos”, informa a assessoria de imprensa. “A companhia não cobra pelo tratamento de esgoto.”

Curiosamente, a conta não informa em NENHUM lugar se a quantia diz respeito à coleta e/ou tratamento. Tampouco dá para saber pela conta se o esgoto da tua casa é tratado ou não.

No próprio site da empresa, a informação não é facilmente achada. São necessárias algumas operações para localizar explicações sobre a conta.

Mais detalhada só encontramos nos comunicados sobre tarifas, inadequados para o consumidor comum.

A propósito:

* Por que essa informação não é explicitada na conta?

* A falta de transparência não fere o Código de Defesa do Consumidor?

* E a população sem acesso à internet, como fica?

* É justo quem não tem esgoto tratado pagar a mesma tarifa que aquela pessoa que tem?

* Por que a tarifa não é diferenciada para quem esgoto tratado e quem não tem?

* Qual a engenharia financeira para não cobrar o tratamento, já que exige tecnologia e custa muito caro, diferentemente do afastamento?

Como nada é de graça, a repórter quis mais detalhes da cobrança. Até porque saneamento implica abastecimento de água potável, coleta e tratamento de esgoto.

“A companhia não cobra pelo tratamento de esgoto”, reiterou a assessoria de imprensa, aí acrescentando. “O Decreto Estadual nº 8468/76 determina que todo esgoto coletado seja tratado antes de ser despejado nos rios. O link para o decreto é este: http://www.cetesb.sp.gov.br/Institucional/documentos/Dec8468.pdf .”

“Quem paga a conta, não sabe, pois a Sabesp apresenta as informações de forma tortuosa para que a população não tenha acesso pleno a elas”, critica Cerqueira César.  “Ao omitir na conta que o valor se refere apenas à coleta, a Sabesp passa a impressão de que se refere à coleta e ao tratamento.”

“A Sabesp somente poderia cobrar pelo serviço de esgoto quando ele estivesse completo, ou seja, coleta-transporte e tratamento, conforme exigência do Decreto 8468/76”, prossegue Cerqueira César. “Toda essa cobrança que ela vem fazendo há anos me parece totalmente ilegal.”

“Essa nebulosidade talvez seja para não ser apanhada pelo Código de Defesa do Consumidor, já que recebe pelo tratamento de esgoto e não entrega o serviço em boa parte das casas da Região Metropolitana”, conjectura Moretti. “De outro lado, se explicitar que é só coleta, a população passará a exigir o tratamento. Do jeito que está hoje, ninguém se lembra do tratamento, logo não há pressão social pelo serviço. É uma situação cômoda para a companhia.”

INVESTIMENTOS CAÍRAM, GASTOS PUBLICITÁRIOS AUMENTARAM

Nos últimos dez anos, segundo Cerqueira César, a Sabesp não investiu nada em estações de tratamento de esgoto e muito pouco em coletores-tronco e interceptores.

Aliás, em 2009, os investimentos tiveram um corte de quase R$ 300 milhões em relação aos R$ 2,133 bilhões previstos. Portanto, 14,5% a menos.  De 2000 para cá, os cortes chegaram a quase R$ 1 bilhão. Isso representa 11% a menos do calculado. Investimento diz respeito basicamente aos gastos com obras.

Em compensação, os gastos de publicidade tiveram um crescimento de 483% no governo José  Serra. Os contratos anteriores a junho de 2008 eram de R$ 12 milhões por ano, enquanto os novos chegam a R$ 70 milhões.

De 1995 a 2009, (gestão dos tucanos Mário Covas, Geraldo Alckmin e José Serra), a receita operacional líquida da Sabesp foi de R$ 98,153 bilhões em valores corrigidos pelo IGP-DI, da Fundação Getúlio Vargas.  Já o lucro nesse mesmo período foi R$ 9,236 bilhões, também corrigidos pelo IGP-DI.

Esses dados baseiam-se no orçamento do Estado de São Paulo e nos balanços da própria Sabesp.

Conclusão: se a empresa não investiu como deveria no tratamento de esgoto, não foi por falta de dinheiro, mas por opção de gestão.

“A Sabesp está preocupada com os lucros dos acionistas e com a sua saúde financeira invejável”, observa Cerqueira César. “Não está nem aí para os usuários.”

“A população está sendo lesada”, ressalta o professor Ricardo Moretti. “Há prejuízos à saúde pública, pois expõe as pessoas a rios contaminados. Há também prejuízo ambiental à medida que os córregos urbanos carregam esgoto para os mananciais.”

“Jogar esgoto in natura nos rios é crime ambiental”, condena o professor Júlio Cerqueira César Neto. “Uma  irresponsabilidade cívica de um tamanho que eu nunca vi na vida.”

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