sexta-feira, 29 de outubro de 2010

O machismo como pano de fundo

Antes de iniciar a campanha recebi um e-mail com um vídeo em que o Carioca do Pânico imitava a “Dilma do Chefe”. Com voz bem masculina e tom agressivo deixava a mensagem clara de que o poder é coisa para homem. Ou que mulheres na condição de poder não devem ser “mulheres”. O espaço da mulher na televisão que predomina ainda é o da Mulher Samambaia, personagem também criada no Pânico. A mulher que fica no canto para enfeitar e agradar aos olhos.
Na última semana do primeiro turno, eu não percebia, e sequer as pesquisas, que havia um movimento de esgoto trabalhando com preconceitos e ideais moralizantes e fundamentalistas, pelos porões de igrejas, e-mails e ruas. Naquele momento não dei importância, mas observei as falas contadas por colegas de trabalho de um movimento por Marina. A imagem de mulher evangélica, comportada e voz fina, obstante de sua bela história de militância e coragem, caía bem ao contrapor uma “guerrilheira, terrorista, abortista e lésbica”,como circulava pela central de boatos. Caía melhor ainda aos interesses de provocar um 2º turno para Serra. De candidata verde passou a laranja. De onda verde passou a marrom.

O machismo sempre formou o pano de fundo dessas eleições, ainda que as mulheres tenham tido mais votos que os homens. O machismo no país não é fato assumido, assim como o racismo ou a homofobia, tema que agora retrocedeu à bandeira de questão a ser combatida por religiosos (leia Em convenção da Assembleia de Deus, Serra promete vetar Lei da homofobia). O preconceito contra a mulher é ignorado por ser tratado como natural. Pensávamos estar superada a época das grandes frases de Maluf quando dizia que “a professorinha não era mal paga, mas mal casada”, ou quando se indignava com o estuprador, pois se tem desejo sexual, “estupra, mas não mata”. Pois o museu das grandes anedotas da história política, abre uma ala próxima a Maluf só para o novo acervo trazido por Serra.

Como disse Paulo Henrique Amorim que atribui a Serra o título de “jênio”, o candidato “inaugura a sedução eleitoral” com a frase “Se é menina bonita, tem que ganhar 15 [votos]. É muito simples: faz a lista de pretendentes e manda e-mail dizendo que vai ter mais chance quem votar no 45″ (leia mais). Frase que virou chacota do jornal argentino Clarin: Serra lanza una durísima ofensiva contra Dilma. A ironia é que enquanto a imprensa argentina critica o desespero do ato machista tucano, a imprensa brasileira, mais especificamente a Globo, reduz a Presidente argentina ao papel de viúva, deixando dúvidas quanto a sua capacidade de governar sem o marido, falecido esta semana. Rodrigo Viana, do blog Escrevinhador faz as devidas críticas a esse “machismo tão fora de época que a gente fica até com preguiça de discutir” no artigo Dilma, Cristina e a “falta de um homem”.
Disse ainda o blogueiro:
Cristina não é “apenas” a “esposa” de Kirchner. Isabelita era “apenas” esposa de Peron nos anos 70. Os tempos eram outros. E deu no que deu – Isabelita (era a vice do marido e, com a morte de Perón, assumiu o poder) foi uma presidenta fraca, que abriu caminho pra ditadura.
Cristina, não! Ela militou ao lado de Nestor, contra a ditadura. Tem vida própria, luz própria. O marido tinha liderança e isso ninguém contesta, mas querer reduzir Cristina ao papel de “esposa”, ou agora “viúva”, é quase inacreditável.
Por que falo disso agora? Porque vários leitores relatam que, no telemarketing do mal aqui no Brasil, há um novo telefonema na praça. Uma voz – feminina - pergunta ao cidadão incauto: ”será que a Dilma dá conta, sem o Lula?”
O machismo é o mesmo – contra Dilma e Cristina. E eu me pergunto: em que século vivem os marqueteiros do mal e os editores do “Jornal da Globo”?
Dilma não precisou segurar na mão do Lula quando – aos 17 ou 18 anos – foi pra clandestinidade lutar contra a ditadura. Dilma não precisou do apoio de Lula quando esteve presa, nem quando resistiu aos toturadores.
Dilma tem trajetória própria. Os tucanos, por menosprezar essa verdade, acreditaram na balela vendida por mervais e jabores: “ela não resiste à campanha sem o Lula”. He, he. Machista, normalmente, leva um susto quando vê que a mulher não “precisa” de homem
.
Para quem não conhece o blogueiro, Rodrigo Viana não é um maniqueísta. Trata de marqueteiros do mal como alusão à campanha que prega o maniqueísmo: Serra é do bem. Como ironizou o ator Zé de Abreu, que conhece Serra da UNE, quando o então Presidente abandonou a entidade no momento em que mais dele precisava, quem é do bem não precisa ficar dizendo e cantando isso (assista).  

Também na contrapartida das evocações machistas, a Professora Marilena Chauí (veja no Youtube), no ato da USP, acontecido nesta semana, citou as mulheres que são responsáveis pelo recebimento e uso do dinheiro do Bolsa Família e que passaram a ocupar na sociedade e estrutura local um novo lugar. Isto por si já toma um efeito sobre as mulheres e sobre a estrutura familiar em um país machista e sexista em todas as classes sociais. A filósofa percebe que isso promove uma mudança no nível dos costumes, da relação familiar e na situação das mulheres.

Essa mudança, no entanto, terá muitas barreiras a superar. Há muitos lugares a serem ocupados pelas mulheres. Dentre eles, a Presidência. Mas isso não bastaria. Tratará a mídia, então, de tentar derrubar essa mulher, agora, imaginam eles, mais fraca sem seu homem forte. Recorrendo Rodrigo Viana: como bons machistas vão tomar um susto.

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